quarta-feira, 2 de outubro de 2013

ainda

ainda não consigo dizer nada
ainda não consigo dizer nada sobre violência 
ainda não consigo dizer nada sobre violência contra 
                                       [professores
ainda não consigo dizer
ainda

sobe um frio na espinha
sobe um frio na espinha só de pensar
sobe um frio na espinha só de pensar na violência
sobe um frio na espinha só de pensar na violência contra                                                 [professores
sobe

enquanto assistimos nossa novela
enquanto assistimos nosso filme
enquanto lemos nosso livro
nada nos escapa
nada é imune, meu bem

os professores
os professores estão sendo
os professores estão sendo espancados
os professores estão sendo espancados por policiais


e o testemunho pânico das retinas entala em nossas guelas

sexta-feira, 6 de setembro de 2013

Renúncia

mão que roça o cabelo
perna que laça o pêlo
pêlo da outra perna
cabelo pro suor pingar
grito quente que não quer matar
mão que arranha a pele
lábio que no dente preso
mira o outro queixo ileso
contra a nuca que não se fere
pronta a não se perfurar

olho que evita o olho
tato que é de fato
certo e concreto
fúria
do corpo duplo
que a alma
não quer
entre-
gar
.



 

terça-feira, 27 de agosto de 2013

De um susto pela internet

A linguagem é mesmo um fenômeno incrível. No Facebook, por exemplo, a gente sempre vê alguém postar: partiu balada, partiu cama, partiu cinema, etc. Hoje, li uma construção incrível de uma adolescente: partiu sentir saudades. Não é genial isso? Agora nossos sentimentos também são lugares para onde nos encaminhamos. Se você for beber hoje, já pode se antecipar e colocar: partiu ressaca. Se você for terminar com seu namorado, basta dizer: partiu depressão. Mas o "partiu sentir saudades" me conquistou. Para todas as viagens longas ou mesmo curtas, para todas as despedidas, para todo o saudosismo, estamos sempre partindo, mesmo que não exista nenhum caminho físico a percorrer.

sexta-feira, 23 de agosto de 2013

Dispositivo

Meu bem, o que houve
com a cara craquelada
hoje? Deixou de ser

de pau, nem peroba
acha furo ao negócio?
Aqui em Santa Terezinha,
Ruy Barbosa é ruidoso,

nenhum beletrismo,
nenhuma pluma,

só rua cortada de som
automotivo, motivo

da vontade de jogar
você pela janela junto
dessa caixa enfeitada

com nada

dentro.

quarta-feira, 21 de agosto de 2013

Comer cru também é parte do regalo

Há poesias que te pegam logo de início, talvez por serem “pop” demais. Nada que também comprometa a sua qualidade. Mas há outras poesias que exigem um olhar mais arguto do leitor. Nada que também signifique hermetismo, mas talvez poesias que você não consiga falar uma frase sequer da primeira vez que as lê. Fica uma exclamação no silêncio, morando em aporias que estão “pedindo pra sair”, exigindo, por assim dizer, uma organização do inorganizável, que é o cosmos onde mergulha a linguagem poética. Mas, nesse caso, o empenho em falar pelo entorno daquela escrita se torna uma tarefa mais instigante. Rapace (2012), o segundo livro de André Capilé é um desses livros. O babado ali é forte. 

O que mais impressiona é a capacidade laboriosa de enxugar os versos, torná-los tão sofisticados ao ponto de nenhuma palavra ser dispensável – característica que é não pra qualquer um – ao mesmo tempo em que o alcance de seus versos chega ao ponto em que nenhuma forma fixa é capaz de aprisioná-los. Seja pela organização espacial, pela escolha vocabular, pela versificação que transita do soneto ao verso livre ou pelas rimas nas sílabas tônicas, Capilé se liberta pelo trabalho. Mas a coisa não parece tão simples assim. O urubu precisa se expor ao dia e à noite, “atento ao frio / feito um bicho”, como no poema que leva o título da ave-rapace, ou desse mamute “que não / sabe ser / sutil com / a dentição // exposta”. A enunciação tenta a todo custo se esconder, muito embora, inevitavelmente, acaba falando de si (lembro de João Cabral: “Sempre evitei falar de mim,/ falar-me. Quis falar de coisas./ Mas na seleção dessas coisas / não haverá um falar de mim?”), e na total anulação de uma memória, de uma experiência ou de um momento da vida que não seja exatamente pontos vitais como a planície da carne, o corpo, ou criações de vida como o presente e o verbo.

tá com nojo, moço?

fica tranquilo
sagrado o sossego da chuca

segura a pemba
agora vai

me chupa

Capilé não poupa essas pequenas provocações. E isso também torna o livro mais potente. Em termos de metalinguagem é exemplar, como em “a economia não presta sem que avalie o risco” (ferramenta), ou “se de tudo / o todo resto // não fosse mais / que esse // nhenhenhém”; em certos pontos até conseguimos reconhecer alguma influência, a começar pelo ABC de Pound. Mas, acima de tudo, Capilé é um dos bons da nova poesia brasileira e isso já pode ser percebido. Tenho certa desconfiança de que o próximo livro (há rumores tímidos de que se chamará CHABU) virá, assim como Rapace, com grande força. Estaremos aqui atentos, mais ou menos espantados com o resultado do corte do esmeril: com o arranhão da unha do carniceiro. 



O livro Rapace foi lançado pela Texto Território e, caso você não o leia, o olho do urubu estará sempre a lhe perseguir através da lombada.   

segunda-feira, 19 de agosto de 2013

Nada além do que se vê

Uma vez li no blog Página 29 o drama da autora Laura Assis com relação aos Los Hermanos. O que penso hoje vai ao encontro do que ela disse aquela vez. É um pouco de "Já deu né? Tá bom!".

Sexta, dia 16, aconteceu, na Fundição Progresso, o show de comemoração dos dez anos do álbum Ventura, aquele disco dos barbudos que, se tocar numa festa, nenhum fanzoca conversa e nem te deixa conversar, pois estará aos berros do início ao fim da música; cantando, inclusive, os solinhos de guitarra, os arranjos de metais, sabendo de coração todas as pausas, todos os gritinhos, todas as nuances de todas as músicas. Um horror! 

Os fãs deveriam ser proibidos de andar em bando. São todos uns chatos de galocha! E isso se estende por vários âmbitos artísticos. É algo patológico: loucas como Clarice Lispector, Fridas sofredoras, drogados como Jim Morrison, zumbis andantes da Ana Cristina César, Robert Plants, Kurts, Lenons, etc etc etc. É legal gostar do que esses artistas fazem, mas às vezes é fundamental abrir os olhos com os fãs. 


O show em questão foi uma bosta. Não foram os Los Hermanos por inteiro que tocaram. Dos originais, apenas o Barba e o Bruno Medina se apresentaram. Os outros componentes, que eu não tive o trabalho de saber quem eram, fizeram sua parte: gozaram com os paus de Camelo e Amarante. Tudo nos conformes. Nota por nota. O som não precisava ser bom (e não foi), pois o público se contentou em identificar a música e se jogar na catarse coletiva. Natural. Eu também cantei, mais ou menos desconfiado, baixinho, não querendo levantar muita bandeira. 

É que essa bandeira eu já deixei de levantar faz tempo. Houve uma época de descoberta (a felicidade dos que não sabem e descobrem) em que me admirava com as melodias, tocava os discos de cabo a rabo, tentava socar guela abaixo de quem se antipatizava com a banda, discutia, ponderava, argumentava, fazia levantamento das últimas bandas do rock nacional, comparava as composições, analisava letra-a-letra, ou seja, fazia parte desse grupo seleto de pessoas de gosto refinado e andava ignorando muita coisa que acontece/acontecia na música brasileira, ou simplesmente desconhecia. 

Não julgo os integrantes pela celebração. Acho que um disco como Ventura deve ser celebrado, assim como o Bloco do eu sozinho. Não acredito, também, que os músicos da banda tenham caído no ostracismo, hajam vistos os belos álbuns do Marcelo Camelo, os projetos do Amarante e, inclusive, de Barba e Medina. Sei, entretanto, que eles precisam ganhar dinheiro e isso não é nenhum pecado. Só gostaria de ver algo novo, de ver gente esperando coisas novas, pois esses revivais já não me comovem e essas reproduções fidedignas me cansam. Haja sono pra dar conta de tanto bocejo. 


sexta-feira, 16 de agosto de 2013

Maratona

Ruas da Lapa, entrâncias do mijo,
de janeiro a dezembro prosseguir
cantando sambas em rodas de pedras,
feitas de escombros que escondem algébricos
suores. Bambas de segunda-feira
permeiam trovas sem eira nem beira;
freiras da Gomes Freire rezam perto
das bancas de neve, dizendo reto:
“Isso aqui né bagunça não, meu filho!
Segue pela Mem de Sá que eu reflito
se te encontro na esquina da Inválidos –
Riachuelo, onde fazemos pazes
e cortamos linhas de terços brancos,
contas e contas de pai nossos tantos”.


quinta-feira, 15 de agosto de 2013

Poemas, livros, cervejas e amigos

No último sábado, dia 10, rolou um evento da Aquela Editora na Livraria Quarup, em Juiz de Fora, para a divulgação de seus últimos lançamentos: "Distância", do menino Otávio Campos e "Trovadores Elétricos", de Anderson Pires, livros de poesia que ainda voltarei a falar por aqui. O encontro também contou com a presença de outros poetas da pesada, como André Capilé, André Monteiro, Anelise Freitas, Giovani Verazzani e esta pessoa que vos fala (cafona isso, né?). O que teve por lá você pode conferir aqui e ainda curtir uma trilha sonora de responsa. 

E no próximo fim de semana tem mais, olha só:


Deixo com vocês o texto que escrevi e li na última ocasião. Comentários, claro, são bem vindos.

Caderno de receitas

É preciso escrever como se não bastasse pensar.
É preciso fazer você, ouvinte, gozar e dizer: que foda, ele é poeta,
Ainda que passemos o mês inteiro sem trepar.
De quebra, é preciso que essa arquitetura aqui te faça refletir com a mão no queixo
enquanto aquela outra voz, que conversa com a gente, revela que seremos obrigados
a aceitar o fato de que somos assim, de que nos tornamos e nos tornaremos alguma coisa pelo resto da vida, que precisaremos conviver com a pessoa que
deseja jogar-se da primeira ponte que ver pela frente.
Mas calma, há horas em que esse desejo é apenas para nos certificarmos da possibilidade de flutuar.
E essa máquina que é pra emocionar, gente, é falha.
Esse eu menor, maior ou igual ao mundo é apenas teoria.
Mudam as coisas, a nervura dos ossos, a tessitura da pele,
a biologia do coração quando, no fim daquela tarde
que ninguém dava nada por ela, o sol violenta a cortina de renda
e você, procurando coisas banais pelos armários daquela casa,
encontra um caderno de capa dura, com a natureza morta datada e assinada,
seguida de preâmbulos manuscritos e receitas que, pela simplicidade e elegância com que foram bordados nas folhas, tornam aquele instante e aquele único registro de quem só
completou as séries escolares iniciais, prenhes de poesias e filosofias
tão profundas quanto a nossa pele.
Existe alguma estética do solavanco?
Qualquer saúde é um pouquinho de amor?
Existe cura para os problemas das cidades sem a loucura?
Conhecer a si mesmo exige que nos desconheçamos,
A vergonha de escrever, o medo de assumir a fraude que a cada dia constatamos que somos,
o fracasso ininterrupto de horas jogadas ao vento, porque cismamos parecer inteligentes e sensatos frente aos que não fazem nada além do que a selvageria acha de bom tom: atacar!
E esse ataque é esporte praticado. É também um pouquinho de saúde sem amor.
E esse encontrar-se em estado de permanência
e evitar que devires opressores falem mais alto e dite seus totalitarismos,
procura impedir que nos tornemos aborrecidos ou ressentidos,
de que não estamos fazendo análise de grupo, mas
é essa obra não publicada que achamos em lugar inóspito
é que treme em nossas mãos, que lemos e esvaziamos nossos corpos, perplexos,
e ficamos ali sentados, fumando aquele cigarro que nos redime,
silenciando suas palavras com outras palavras da ordem do silêncio,
plausivelmente convencidos de que tudo, embora em movimento,
continua intacto e registrado nos tapas que tomamos desses esbarros. 


quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Entra aí, é tudo nosso!

Este espaço é um caderno de anotações para rascunhos ou para criações que podem talvez nem precisar de retoques. Tirar da gaveta os escritos que nunca mostramos a ninguém é um desafio. Escrever diretamente numa página da internet sem a precaução de uma revisão mais apurada, pode nos trazer vergonhas futuras. Mas se o escritor contemporâneo ainda deseja ser lido, deseja ser publicado por uma editora, ele precisa de algum modo mostrar o que ele escreve a alguém. E um blog na internet não é um golpe de gênio nem a invenção da roda, vamos combinar, mas é o começo. É a opção mais acertada por parte de quem enche a porra do saco dos amigos, diariamente, com seus escritos via redes sociais. É, ainda, o espaço da errância, pois clicando em qualquer botão delete, ninguém jamais se lembrará do que estava publicado, com a exceção de um possível print screen safadinho a rir de nossa cara. 

Bem, por enquanto é isso. Gostaria de desejar boas vindas a todos os futuros leitores e abrir este espaço para sugestões e colaborações de autores que queiram exibir suas produções, ou que desejam falar de (e com) literatura. 

A primeira criação é o poema que leva o nome que escolhi pro blog. Saca aí!

Ateliê Ferrugem

É pelo excesso de oxigênio que o metal se quebra, 
é por ter respirado demais que ao pó ele regressa. 

Se a oficina está quase parando, 
retiremos as teias de aranha, 
liguemos as máquinas antigas. 

É preciso mover as juntas 
dos ossos 
caminhar por uns cem metros 
até bufar. 

Estar à beira da morte não impede a demão 
de tinta na pele 
quebradiça. 
Colorida, ela abre seus respiradouros 
para novas ventanias e afetos alegres.